Patrícia Reis em entrevista à RIL: “Não escrevo índices, não faço guiões e estruturas narrativas antes de escrever e nunca sei o final da história, deixo-me ir”

REVISTA DE IMPRENSA LITERÁRIA publica hoje a quarta entrevista de uma série dedicada a autores portugueses. Depois de Paulo Moreiras, Marta Dias Oliveira e Nuno Duarte, segue-se Patrícia Reis, autora, entre outros livros, da aclamada biografia de Maria Teresa Horta, A Desobediente (Contraponto).

Amanhã: António Mota.

Se pudesse escolher uma ou duas pessoas para lerem o seu livro mais recente, quem seriam?

Existe a contradição óbvia: por um lado, desejo que o livro seja lido por alguém de quem gosto, com quem me identifico e que reconheço como um leitor treinado, por isso alguém que terá uma opinião válida; por outro, acredito que dar um livro a ler a alguém que não pertence à nossa família lógica, digamos assim, pode beneficiar e dar a conhecer outras perspetivas, outras leituras. O drama resume-se sempre a esta dualidade entre o consolo de saber que existe quem gosta do que fazemos e os outros que podem, por razões várias, ferir o ego. O ideal será um equilíbrio e esse, como se sabe, é melindroso e difícil de atingir.

Como lida com o bloqueio criativo?

Não forço a escrita, invento outras coisas para fazer. Não escrevo todos os dias, tão-pouco todas as semanas. É um chamamento, mais do que um treino ou exercício obrigatório. Isto permite-me driblar eventuais bloqueios. Não me atormento com a falta da escrita, só sofro se tiver de suspender leituras, porque a leitura é o mais importante de tudo. Não se é escritor sem ser leitor.

Qual foi o melhor ou o pior conselho de escrita que já recebeu?

O melhor conselho foi este: escreve e põe de molho como fazes ao bacalhau, se passado algum tempo, no regresso ao texto, te surpreenderes, fores confrontada com um sentimento de surpresa, então estás no bom caminho. O pior conselho é, e será sempre, esta pérola de auto-ajuda: a opinião dos outros não importa. Importa muito.

Quem é a pessoa, ou qual é o lugar ou prática que teve o maior impacto na sua formação como escritora?

A prática fundamental é a leitura e essa devo-a, como exercício inaugural, ao meu tio-avô que me disponibilizou uma biblioteca e que se divertia por eu ler às escondidas, na cama, com a ajuda de uma lanterna. Deixava-me pilhas para a lanterna na mesa de cabeceira. Nunca me disse uma palavra sobre ler a desoras. De novo, a leitura como território formador, sendo imprescindível para tudo o resto.

Há alguma parte da sua rotina de escrita que poderia surpreender os seus leitores?

Como não tenho uma rotina digna desse nome, diria que talvez possa surpreender o facto de não conseguir escrever sentada numa cadeira, à mesa. Preciso de estar num sofá, de pernas estendidas, ou no chão, ou na cama. Não consigo escrever de outra forma. A isto acresce que preciso de música e sou capaz de ouvir a mesma canção, ária, música, fado em modo repeat. Talvez seja um retrato um pouco obsessivo, porém tenho de reconhecer que o embalo repetitivo da música me permite entrar numa espécie de alheamento, não diria transe, que me leva à escrita sem grande formulação prévia. Não escrevo índices, não faço guiões e estruturas narrativas antes de escrever e nunca sei o final da história, deixo-me ir. A história, como já o disseram outros autores, acontece-me durante a escrita, é nesse momento que surge. Muitas vezes, percebo que o controle que tenho sobre uma personagem é nulo. Racionalmente, o caminho deveria ser em determinada direcção e estou disponível para o escrever, mas a personagem decide outra coisa e não há escape possível. As personagens mandam em mim com facilidade e, importa dizer, com frequência.

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Patrícia Reis nasceu em Lisboa, em 1970. Estudou História e é mestre em Ciências da Religião. Começou a sua carreira no semanário O Independente, tendo trabalhado posteriormente no ExpressoPúblicoMarie ClaireElleRDP e RTP. É autora de vários romances e de alguns volumes infantojuvenis, tendo a coleção Diário do Micas o selo do Plano Nacional de Leitura. É editora e curadora da multipremiada revista Egoísta e coapresentadora do podcast Um Género de Conversa. Escreveu biografias de Vasco Santana, de Maria Antónia Palla (em coautoria com esta jornalista) e de Simone de Oliveira. Assinar a biografia da escritora, poetisa e feminista Maria Teresa Horta foi um desafio que abraçou em 2019. (Via Wook)

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2 comments

  1. Dos escritores/livros já publicados nesta sucessão de entrevistas, este titulo, “A Desobediente”, é o único que li, confesso que nem tanto pela sua autora mas pela biografada, Maria Teresa Horta, que conhecia há décadas e conheci pessoalmente, em sua casa.

    Sou fã da escrita, do modo de viver de Maria Teresa, a Teresinha de Patrícia Reis.
    Sendo verdade que já conhecia a Patrícia Reis, ainda não tinha lido nada da autora até à biografia “A Desobediente”, gostei muito. Veio completar o meu conhecimento sobre a Maria Teresa e juntar-se aos livros de poesia e de sonho que fui adquirindo ao longo do tempo.

    Não posso deixar de referir que conheci pessoalmente a Patrícia Reis na Feira do Livro do Funchal 2025.
    Obrigada.

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