REVISTA DE IMPRENSA LITERÁRIA publica hoje a terceira entrevista de uma série dedicada a autores portugueses. Depois de Paulo Moreiras e Marta Dias Oliveira, segue-se Nuno Duarte, vencedor do Prémio Leya de 2024, com Pés de Barro.
Amanhã: Patrícia Reis.

Se pudesse escolher uma ou duas pessoas para lerem o seu livro mais recente, quem seriam?
A Dulce Maria Cardoso, pelo tanto que gostei do seu O Retorno e que influenciou, não tão pouco assim, a escrita do meu Pés de Barro; a Lídia Jorge, não só, mas sobretudo pelo A Costa dos Murmúrios que, se não influenciou o dito Pés de Barro, foi apenas pelo facto de ter sido lido depois de este estar concluído, e, já agora, também pelo discurso certeiro, porque brilhante, no recente 10 de Junho; o João de Melo, que aqui nomeio fazendo batota, tendo em conta que já me deu a honra de o ler e ainda me ofereceu um pouco da sua infinita generosidade ao elogiá-lo.

Como lida com o bloqueio de escritor?
Como publicitário, temo não me poder dar a esse luxo. Se tenho uma campanha a precisar de ideia e um prazo a precisar de ser cumprido, alguma coisa terá de acontecer. Pode não ser a melhor coisa, mas será sempre alguma coisa. Na escrita, recorro ao mesmo expediente: que saiam palavras e frases das más, mas que saiam, depois logo se corrigem.
Qual foi o melhor ou o pior conselho de escrita que já recebeu?
“Escreve sobre aquilo que conheces”. Um péssimo conselho, na medida em que nos limita ao nosso mundo, quando um dos objectivos da literatura, digo eu, é obrigar-nos a espreitar o mundo dos outros; um belíssimo conselho, na medida em que, mesmo ao escrever sobre um assunto que não dominamos, nos empurra a nele encontrar tudo aquilo que nos seja familiar, como sítios, sentimentos, relações, etc.
Quem é a pessoa, ou qual é o lugar ou prática que teve o maior impacto na sua formação como escritor?
Diria a persistência, a curiosidade, a teimosia de tentar todos os dias e, também todos os dias, falhar. E repetir isto até à náusea, aceitando que seriam precisos anos até sentir que, um dia e pela primeira vez, aquela voz que falava na ponta dos dedos era finalmente minha. Uma voz feita de muitas outras vozes, de muita leitura, de muita dissecação literária, tanto como da sua usufruição.
Há alguma parte da sua rotina de escrita que poderia surpreender os seus leitores?
Lamento a eventual desilusão por uma resposta negativa, mas quer-me parecer que não. Uma sala vazia, um computador, material de apoio à pesquisa ao lado, um dicionário, dois ou três cafés largos, Chet Baker e o maldito telemóvel no silêncio ou até em modo de avião. Não tomo notas, ou tomo muito poucas, não planeio muito à frente a escrita, vou descobrindo o caminho e, ou chego a algum lado ou bato com o nariz numa parede e volto para trás. Quinhentas palavras por dia, é objectivo mínimo, idealmente mil, a partir daí será tudo lucro.
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Nuno Duarte nasceu em Sintra, em 1973. Quando abriu os pulmões, já se respirava em liberdade, mas, para efeitos literários, pode afiançar, sem faltar à verdade, que ainda viveu no tempo da outra senhora. Quando abriu os olhos, já havia livros em casa. Havia os do pai, que eram do Steinbeck, do Dostoiévski, do Hemingway, do Ferreira de Castro e do Saramago; e havia os de banda desenhada, que eram do Goscinny, do Hergé, do Edgar P. Jacobs, do Christin e do Moebius. Estudou design gráfico no Ar.Co e começou uma carreira na publicidade onde foi diretor criativo de algumas das principais agências do mercado e amealhou várias distinções nacionais e internacionais. O gosto pela leitura e pela escrita, mas, sobretudo, a necessidade de perceber como se fazia, afinal, um daqueles livros como os que havia em casa, levaram-no a tentar. E a tentar. E a tentar de novo. Pés de Barro é o seu primeiro romance. (Via Leya)
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