Susana Amaro Velho em entrevista à RIL: “E escrevo de avental porque o jantar não se faz sozinho. Aproveito os intervalos, sou muito organizada, talvez seja essa a pergunta que mais me fazem: como é que consegues? Não consigo, só disfarço bem”

Cabe a Susana Amaro Velho fechar a série de entrevistas promovida pela Revista de Imprensa Literária nos últimos 44 dias. Aos escritores e escritoras que por cá passaram, o meu muito obrigado!

Todas as entrevistas anteriores estão acessíveis a partir daqui.

Boas leituras.

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Se pudesse escolher uma ou duas pessoas para lerem o seu livro mais recente, quem seriam?

Escolheria alguém que detestasse o livro, mas que soubesse explicar os seus motivos com argumentos sólidos e apresentando melhorias. O mundo está cheio de gente que aponta o dedo sem apresentar soluções, e é disso que precisamos, de prática e de raciocínio. E escolheria também alguém que o amasse, mas que também tivesse a decência de questionar as minhas escolhas com honestidade e rigor. Precisamos de leitores que reflitam, que sejam exigentes, que vão à luta pensando cada parágrafo com a mesma lucidez com que somos obrigados a estruturar uma narrativa. A exigência não pode estar apenas de um lado. 

Como lida com o bloqueio criativo?

Com uma combinação de teimosia e má educação, sou chata, chata, chata, ofendo o texto, apago, volto lá e persisto. Escrevo na mesma, mesmo quando não apeteça, mesmo quando tudo me parece medíocre. Já me habituei a desconfiar da inspiração e a confiar na disciplina. 

Qual foi o melhor ou o pior conselho de escrita que já recebeu?

O pior foi: escreve como se ninguém te fosse ler, porque isso é um disparate perigoso. Eu escrevo precisamente porque sei que alguém vai ler. O melhor conselho: corta tudo o que escreveres só para impressionar. 

Quem é a pessoa, ou qual é o lugar ou prática que teve o maior impacto na sua formação como escritora?

Talvez o hábito de ouvir conversas no café, na padaria, esta ruralidade em que vivo. Sempre achei que a banalidade é um género mal explorado, que é nas pessoas e nas suas relações controversas e contidas que vivem as melhores narrativas. O mundo está cheio de personagens que não sabem que o são, movem-se e agem esquecendo que alguém as observa pronto a retirar delas, sugar, uma frase ou um episódio. 

Há alguma parte da sua rotina de escrita que poderia surpreender os seus leitores?

Talvez o facto de ler alto, escrever e ler alto, porque o silêncio profundo me incomoda. Há quem seja do campo, dos retiros criativos com vista para as montanhas, mas a minha casa é barulho, cadeiras a arrastar, zaragatas e narizes ranhosos; e escrevo de avental porque o jantar não se faz sozinho. Aproveito os intervalos, sou muito organizada, talvez seja essa a pergunta que mais me fazem: como é que consegues? Não consigo, só disfarço bem.

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Susana Amaro Velho nasceu em Mafra em março de 1986. Estudou jornalismo, trabalhou como freelancer durante alguns anos e mais tarde concluiu a licenciatura em solicitadoria, onde viria a trabalhar na área da recuperação de crédito. Inventa histórias desde que se lembra, anda sempre com um caderninho e uma caneta, a leitura e a escrita são as suas grandes paixões. Editou o primeiro romance em 2017, As últimas linhas destas mãos. Em 2022, foi a primeira autora portuguesa a publicar pela chancela exclusiva de vozes femininas Aurora, com Inquieta, onde viria também a reeditar Bairro das Cruzes. Em coautoria, participou ainda no projeto O Sono Delas.
É viciada em salame de chocolate, não passa sem café e odeia azeitonas. Vive na paz da aldeia com o marido e os três filhos pequenos, fonte inesgotável de histórias felizes e muitas dores de cabeça. Descansos é o seu quarto romance. (via Wook)

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