Mário Cláudio em entrevista à RIL: “Dói-me a consciência de não ter mãos a medir, e de para tantos projectos, feliz ou infelizmente para quem me leia, se mostrar sempre tão curta a vida”

Só para si, caro(a) leitor(a) da RIL: hoje é dia de Mário Cláudio. Não desaproveite.

Amanhã: Susana Amaro Velho.

Todas as entrevistas anteriores estão acessíveis a partir daqui.

Boas leituras.

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Se pudesse escolher uma ou duas pessoas para lerem o seu livro mais recente, quem seriam?

Sem dúvida os familiares e os amigos de quantos decidiram acabar com os seus dias, e que, ao dar sepultura ao seu ente querido, com ele enterraram ou incineraram um tabu. Por regra a morte do suicida sela os lábios dos que o estimaram, e se a isso não misturarmos o pudor inexplicável, será o medo de reabrir uma ferida mal fechada que se implica na memória de quem, independentemente das razões imediatas do seu gesto, detém o direito a alguma eternidade.

Como lida com o bloqueio criativo?

Graças a Deus, não poderei queixar-me disso, e pelo contrário dói-me a consciência de não ter mãos a medir, e de para tantos projectos, feliz ou infelizmente para quem me leia, se mostrar sempre tão curta a vida.

Qual foi o melhor ou o pior conselho de escrita que já recebeu?

O melhor passou-mo Eugénio de Andrade, formulado nos termos seguintes, “Nunca deveremos mortificar-nos por ficar a meio da pista, vendo os outros a correr para a meta, porque ao fim e ao cabo nunca se chega lá!” O pior conselho foi o que a mim mesmo dei, e que respeita mais à vida literária do que à própria criação. Houve um tempo de facto em que me impunha, “Celebra o sucesso dos outros como se fosse teu, e partilha o teu com os demais.” Tantos anos passados, acabei por me confrontar com a impossibilidade de levar avante a dica, umas vezes por fraqueza minha, outras por imperfeição alheia.

Quem é a pessoa, ou qual é o lugar ou prática que teve o maior impacto na sua formação como escritor?

Pessoas foram muitas, mas houve três guias vigilantes que não poderei deixar de trazer aqui: Agustina Bessa-Luís, David Mourão-Ferreira e Eugénio de Andrade. Nem todos terão sido meus mestres. Agustina foi, bem mais do que uma mentora, a sibila que sempre se assumiu, e os outros dois um pai, ou um irmão mais velho, consoante os momentos, e a minha capacidade de os merecer.

Há alguma parte da sua rotina de escrita que poderia surpreender os seus leitores?

Creio que não, para além da versatilidade no desempenho do ofício que me consente escrever em qualquer lugar, e tanto nas trevas da mais torpe latrina de Tânger como à luz do mais irisado salão do Palazzo Gritti em Veneza.

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Mário Cláudio. Escritor português, de nome verdadeiro Rui Manuel Pinto Barbot Costa, nascido a 6 de novembro de 1941, no Porto. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, onde se diplomou também como bibliotecário-arquivista, e master of Arts em biblioteconomia e Ciências Documentais pelo University College de Londres, revelou-se como poeta com o volume Ciclo de Cypris (1969). Tradutor de autores como William Beckford, Odysseus Elytis, Nikos Gatsos e Virginia Woolf, foi, porém, como ficcionista que mais se afirmou.
Publicou com o nome próprio, uma vez que “Mário Cláudio” é pseudónimo, um Estudo do Analfabetismo em Portugal, obra que reúne a sua tese de mestrado e uma comunicação apresentada no 6.° Encontro de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas Portugueses, em 1978. Colaborador em várias publicações periódicas, como Loreto 13Colóquio/Letras, Diário de LisboaVérticeJornal de Letras Artes e IdeiasO Jornal, entre outros, foi considerado pela crítica, desde a publicação de obras como Um Verão Assim, um autor para quem o verso e a prosa constituem modalidades intercambiáveis, detendo características comuns como a opacidade, a musicalidade e a rutura sintática, subvertendo a linearidade da leitura por uma escrita construída como “labirinto em espiral”. A obra de Mário Cláudio apresenta uma faceta de investigador e de bibliófilo que, encontrando continuidade na sua atividade profissional, inscreve eruditamente cada um dos livros numa herança cultural e literária, portuguesa ou universal. Dir-se-ia que a sua escrita, seja romanesca, seja em coletâneas de pequenas narrativas (Itinerários, 1993), funciona como um espelho que devolve a cada período a sua imagem, perspetivada através de um rosto ou de um local, em que o próprio autor se reflete, e isto sem a preocupação de qualquer tipo de realismo, mas num todo difuso e compósito, capaz de evocar o sentido ou o tom de uma época que concorre ainda para formar a época presente.
Mário Cláudio recebeu, em 1985, o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores por Amadeo (1984), o primeiro romance de um conjunto posteriormente intitulado Trilogia da Mão (1993), em 2001 recebeu o prémio novela da mesma associação pelo livro A Cidade no Bolso e, em dezembro de 2004, foi distinguido com o Prémio Pessoa. Para além das obras já mencionadas, são também da sua autoria Guilhermina (1986), A Quinta das Virtudes, (1991), Tocata para Dois Clarins (1992), O Pórtico da Glória (1997), Peregrinação de Barnabé das Índias (1998), Ursamaior (2000), Orion (2003), Amadeu (2003), Gémeos (2004) e Triunfo do Amor Português (2004). O autor tem também trabalhos publicados na área da poesia (como Ciclo de Cypris, 1969, Terra Sigillata, de 1982, e Dois Equinócios, de 1996), dos ensaios (Para o Estudo do Alfabetismo e da Relutância à Leitura em Portugal, de 1979, entre outros), do teatro (por exemplo, O Estranho Caso do Trapezista Azul, de 1999) e da literatura juvenil (A Bruxa, o Poeta e o Anjo, de 1996). (via Wook)

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