Fernando Pinto do Amaral é o entrevistado número 40 da Revista de Imprensa Literária. Uma edição para ler e guardar – como todas as anteriores e as que faltam, por esta ordem: amanhã, José Carlos Barros; sábado, Rafael Gallo; domingo, Mário Cláudio; segunda-feira, Susana Amaro Velho.
Todas as entrevistas anteriores estão acessíveis a partir daqui.
Boas leituras.
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Se pudesse escolher uma ou duas pessoas para lerem o seu livro mais recente, quem seriam?
Talvez alguns e algumas psiquiatras ou psicólogos/as de quem sou amigo. No meu livro mais recente – Contos Suicidas, Dom Quixote, 2025 – há várias histórias em que se fala de saúde mental – e tenho sempre curiosidade quanto à leitura de quem se interessa por esses temas. Em todo o caso, também gostaria que este livro descobrisse leitores inesperados – às vezes são os melhores.

Como lida com o bloqueio criativo?
Ao longo dos anos, percebi que a atitude mais sábia perante um bloqueio criativo é aceitá-lo sem dramas e esperar que desapareça. A pulsão criativa obedece a leis próprias e não creio que valha a pena forçá-la quando ela teima em não aparecer. O bloqueio torna-se porém mais difícil quando há prazos a cumprir – e nesse caso não tenho receitas infalíveis para o vencer; ainda assim, quebrar rotinas pode ajudar: sair, passear, encontrar pessoas diferentes, ir ver um filme ou um espectáculo de teatro… e esperar que no dia seguinte as coisas melhorem.
Qual foi o melhor ou o pior conselho de escrita que já recebeu?
Os conselhos de escrita são muito pessoais: já recebi alguns e às vezes também os dou, embora não acredite muito neles, porque aquilo que resulta para certas pessoas pode não resultar para outras. Houve uma fase de estudante em que trocava impressões com colegas da FLUL como o Fernando Luís Sampaio ou o Pedro Lapa; depois, tive outra fase em que a escrita era motivo de longas conversas com o David Mourão-Ferreira, o Gastão Cruz ou o Luís Miguel Nava. Do David retive até hoje um conselho – “escrever em estado de sonho; reescrever em estado de vigília” – que nem sempre sigo à risca, mas a cujo espírito procuro ser fiel.
Quem é a pessoa, ou qual é o lugar ou prática que teve o maior impacto na sua formação como escritor?
A pergunta é ampla e abre-me várias hipóteses: há sempre as leituras que fazemos na adolescência ou na juventude e que nos influenciam para o resto da vida (Pessoa & tutti quanti), mas também posso interpretá-la no sentido de um convívio pessoal mais próximo ou mesmo quotidiano. Se vir a coisa por aí, retomo os nomes da resposta anterior, acrescentando-lhes a escritora Inês Pedrosa, mãe da minha filha, com quem vivi entre 1995 e 2007. Quanto a lugares, tem havido muitos – por exemplo Sever do Vouga – e estão documentados nos meus Diários, que mantenho inéditos e que um dia, depois da minha morte, talvez despertem a curiosidade de alguém…
Há alguma parte da sua rotina de escrita que poderia surpreender os seus leitores?
Haver, até há, mas não sei se algumas dessas partes seriam publicáveis numa entrevista. Seja como for, sou dos que gostam de escrever à tarde e à noite, embora nada seja a preto e branco e já tenha escrito poemas de manhã. É importante resistir às redes sociais, tendo em conta que para me dedicar à escrita afasto propositadamente o telefone e finjo que ele não existe durante o tempo em que estou a escrever. Enfim. Para mim os rituais da escrita estão ligados a rotinas integradas numa certa harmonia sem a qual não consigo escrever: pode ser a estranha harmonia de uma sala caótica, desarrumada e sem aparente nexo, mas na qual reencontro uma certa homeostasia – e essa homeostasia implica esquecer-me do corpo. Com dores físicas ninguém (ou quase ninguém) escreve – e creio que Pessoa terá escrito alguma coisa sobre isso. Também sou sensível a extremos de temperatura, já que escrever num ambiente acima de 35°C ou abaixo de 5°C se torna penoso, como se as ideias deixassem de me afluir à ponta dos dedos – porque, embora o mistério esteja na cabeça, precisa dos dedos para se exprimir.
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Fernando Pinto do Amaral nasceu em Lisboa, em 1960. Frequentou a Faculdade de Medicina, mas abandonou o curso, vindo a licenciar-se em Línguas e Literaturas Modernas, concluindo o Mestrado e o Doutoramento em Literatura Portuguesa. Professor da Faculdade de Letras de Lisboa, foi Comissário do Plano Nacional de Leitura entre 2009 e 2017.
Publicou doze livros de poesia, três volumes de ensaio e traduziu poemas de Baudelaire, Verlaine, Jorge Luis Borges e Gabriela Mistral. Prefaciou edições de poesia de Camões, Bocage, Antero de Quental, Cesário Verde, Ruy Cinatti, Tomaz Kim e Luís Miguel Nava, entre outros.
Integra, desde 1996, o Conselho Editorial da revista Relâmpago. Foi comissário da exposição 100 Livros do Século (CCB, 1998), tendo igualmente comissariado as presenças portuguesas na Feira do Livro de Frankfurt em 1998 e 1999, bem como no Salão do Livro de Genebra em 2001 e na LIBER – Feira do Livro de Barcelona em 2002. Publicou ainda o álbum 100 Livros Portugueses do Século XX (Instituto Camões, 2002), três livros para crianças, o volume de contos Área de Serviço e Outras Histórias de Amor (2006) e o romance O Segredo de Leonardo Volpi (2009). O seu «Fado da Saudade», cantado por Carlos do Carmo, recebeu em Espanha o Prémio Goya para melhor canção original em 2008. (via Wook)
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