Rosa Alice Branco em entrevista à RIL: “A única utilidade da insónia não deve ser desperdiçada. Já escrevo às escuras, ou com uma pequena lanterna. O problema é, na manhã seguinte, decifrar as garatujas”

Estamos quase a terminar esta série de entrevistas a autores portugueses (e um brasileiro, em breve), mas não vamos embora sem lhe darmos as respostas de Rosa Alice Branco.

Amanhã: José Alberto Postiga.

Quinta-feira: Fernando Pinto do Amaral.

Todas as entrevistas anteriores estão acessíveis a partir daqui.

Boas leituras.

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Se pudesse escolher uma ou duas pessoas para lerem o seu livro mais recente, quem seriam?

Pessoas de outros reinos que, à partida, parecem mais longe da poesia. Gostava de perceber como sentem o livro. O que não retira nada à gratidão pelos meus leitores habituais de Poesia. Por exemplo, fiquei entusiasmadíssima com a leitura do Amor Cão e outras Palavras que não adestram por Carlos Fiolhais, embora ele seja um amante de poesia.

Como lida com o bloqueio criativo?

Nunca o senti. É claro que às vezes não escrevo nada que se aproveite, mas deito ao lixo sem dramas. Outras vezes, quando não sai um poema, escrevo um ensaio. Mas mesmo que não escreva nada, nesse momento, não sinto que estou perante um bloqueio. E depressa a poesia acorre.

Qual foi o melhor ou o pior conselho de escrita que já recebeu?

O pior conselho foi: “o que interessa é publicar.” As questões importantes, aqui, seriam: O livro já é publicável? Não vai só fazer perder o tempo das pessoas e prejudicar a editora? Foi por isso que comecei a publicar muito tarde e foi difícil decidir-me.

Quem é a pessoa, ou qual é o lugar ou prática que teve o maior impacto na sua
formação como escritora?

A prática foi a demasiada leitura e a sua diversidade, já que um livro de matemática, de química orgânica, neuropsicologia, estética, filosofia, me deram caminhos muito próprios e urdiram passagens. As ideias têm mais influência na minha escrita, desde que continue a ler compulsivamente. A pessoas: os meus pais, os seus amigos, as discussões entre eles, em que estava, frequentemente, presente e a biblioteca lá de casa, assim como o facto de poder gastar dinheiro em livros. Um lugar, sim, absolutamente: frente ao mar. E as personagens que, durante muito tempo, foram mais empolgantes do que as pessoas e criava vidas para elas, a partir do que tinha lido.

Há alguma parte da sua rotina de escrita que poderia surpreender os seus leitores?

Não sei se tenho rotina de escrita, embora escreva muito. Mas, frequentemente, sinto o vício a chamar-me. De surpreendente, talvez o facto de recorrer a 2 artefactos analógicos na minha escrita: o caderno que dorme sempre comigo, juntamente com uma caneta. A única utilidade da insónia não deve ser desperdiçada. Já escrevo às escuras, ou com uma pequena lanterna. O problema é, na manhã seguinte, decifrar as garatujas.

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Rosa Alice Branco nasceu em Aveiro em 1950. Tem mais de uma dezena de livros de poesia publicados em Portugal, incluindo a sua obra poética reunida Mapa dos Amores Incompletos (2025). Reconhecida internacionalmente, a autora tem a sua poesia publicada em inúmeros países, tanto em livros quanto em revistas literárias. Participa regularmente em Festivais Internacionais de Poesia, tendo representado Portugal no Poetry Parnassus Festival, em Londres (2012). Venceu diversos prémios internacionais, entre eles o Prémio Espiral Maior de Poesia, em 2008, com Gado do Senhor, cuja versão em inglês foi considerada, pela The Chicago Review of Books, como um dos 12 melhores livros de poesia dos EUA, de 2016, o que lhe valeu uma digressão com leituras e debates em várias universidades dos EUA, em 2018. A par com a atividade literária, Rosa Alice Branco tem um doutoramento em Filosofia Contemporânea, e dedica-se profissionalmente à Neuropsicologia da Perceção e à Estética. É tradutora, investigadora e promotora cultural. Neste último âmbito, organizou vários colóquios e festivais de poesia, dentro e fora de Portugal, e foi coeditora de revistas de filosofia e poesia. (via Wook)

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