Ricardo Figueira em entrevista à RIL: “O melhor remédio é mesmo sentar-me com um caderno e uma caneta, colocar todas as ideias, mesmo de forma caótica, num papel, e depois fazer um esquema dividido por capítulos em que vou organizando essas ideias”

O seu dia não seria o mesmo sem uma entrevista RIL. Por isso, cá vai: hoje é a vez de Ricardo Figueira, autor de “Cidália”.

Amanhã: Rosa Alice Branco.

Quarta-feira: José Alberto Postiga.

Todas as entrevistas anteriores estão acessíveis a partir daqui.

Boas leituras.

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Se pudesse escolher uma ou duas pessoas para lerem o seu livro mais recente, quem seriam?

Escolheria Michel Houellebecq e Annie Ernaux, porque são dois dos autores que mais gosto de ler e que me influenciaram bastante, que têm a particularidade de estar nos antípodas um do outro em termos de sensibilidade e de forma de ver o mundo — ele é um hedonista e cínico de direita, ela é uma humanista de esquerda, ele escreve sobretudo sobre o futuro, ela sobretudo sobre o passado — e que se odeiam visceralmente. Ela diz que ele é um misógino que espera nunca ver ganhar o Nobel, ele diz (quase gabando-se) que nunca leu nada dela. No entanto, não acho que estejam assim tão longe um do outro em termos de escrita. Como disse, gosto de ler ambos e, se pudessem ter uma opinião sobre o meu livro, talvez isso me ajudasse a perceber de qual dos dois estou mais próximo.

Como lida com o bloqueio criativo?

O meu bloqueio mais longo durou vários anos. Comecei a escrever o meu primeiro romance (que nunca publiquei) em 2015, devo ter escrito meia-dúzia de capítulos ao longo de dois ou três anos, depois não peguei nele durante muito tempo, até à pandemia. Talvez tenha sido mais preguiça do que bloqueio. Depois de acabar esse, escrevi a Cidália de forma escorreita ao longo de um ano, sem bloqueios. Agora, estou de novo a encalhar com o terceiro. Eu penso que não tenho bloqueios de ideias, mas tenho bloqueios na forma de as desenvolver. O melhor remédio é mesmo sentar-me com um caderno e uma caneta, colocar todas as ideias, mesmo de forma caótica, num papel, e depois fazer um esquema dividido por capítulos em que vou organizando essas ideias. Outra forma de contrariar o bloqueio é obrigar-me a sentar ao computador e tentar escrever durante uma ou duas horas, mesmo se sinto que não estou a conseguir desenvolver correctamente as ideias. Se sinto que estou a encalhar com um romance, uma boa ideia é fazer uma pausa, escrever um conto, e depois retomar o romance.

Qual foi o melhor ou o pior conselho de escrita que já recebeu?

O pior não sei. O melhor foi o de ser mais organizado, colocar as ideias no papel e criar rotinas. Se houve algo em que o curso de escrita da Raquel Palermo, que a minha companheira me ofereceu, me ajudou foi com esses conselhos. Às vezes encalho em coisas como: “Se começo a narrar no presente, devo usar sempre o presente ou posso intercalar com o uso do passado”? Nisso, a Tânia Ganho deu-me um conselho útil: Não me preocupar com essas questões enquanto escrevo e deixar isso para a revisão.

Quem é a pessoa, ou qual é o lugar ou prática que teve o maior impacto na sua formação como escritor?

Não posso nomear apenas uma pessoa — quem teve mais impacto na minha formação como escritor foram os autores que leio, porque é a ler que se aprende a escrever. Já nomeei a Ernaux e o Houellebecq, posso nomear mais uns quantos — António Lobo Antunes, José Saramago, Paul Auster, Emmanuel Carrère, Brigitte Giraud, Gonçalo M. Tavares, Dulce Maria Cardoso… a lista é extensa. Quanto a lugares: a minha cidade, o bairro onde cresci, os locais da minha infância — que têm uma importância preponderante na Cidália. Os locais que fui conhecendo em viagem, também. Os lugares onde fui feliz, para resumir.

Há alguma parte da sua rotina de escrita que poderia surpreender os seus leitores?

Talvez a minha rotina seja, sobretudo, uma falta de rotina, o que não é bom. Enquanto escrevi a Cidália, mantive uma rotina mais ou menos constante. Eu trabalho por turnos e faço frequentemente um horário que começa muito cedo de manhã e termina à hora do almoço. Usei assim as tardes desses dias para escrever, por muito cansado que me sentisse. Foi assim que consegui escrever o livro. É uma rotina que estou a tentar retomar para o que estou a escrever agora, nem sempre conseguindo.

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Ricardo Figueira nasceu em Lisboa em 1975 e passou a maior parte da vida adulta na cidade francesa de Lyon, tendo recentemente regressado à sua cidade natal. A pandemia fê-lo retomar o gosto pela escrita. Tem contos publicados em várias coletâneas, incluindo o conto “A Máquina”, na coletânea “Contágios”, dos Mapas do Confinamento, publicado pela Visgarolho. É igualmente fotógrafo e corealizou, com Isabel Pina, a curta-metragem Motorphobia. Profissionalmente, trabalha como jornalista para a cadeia EuronewsCidália é o primeiro romance que publica. (via Wook)

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