Nem fanfarrona, nem frouxa – e muito menos mentirosa: a RIL promete, a RIL cumpre. A prová-lo, aqui está mais uma entrevista, desta vez com Miguel d’Alte, um escritor a quem Miguel Real augura “grande futuro” (JL, 19 de Março de 2025).
Amanhã: Ana Margarida de Carvalho.
Domingo: José Riço Direitinho.
Todas as entrevistas anteriores estão acessíveis a partir daqui.
Boas leituras.
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Se pudesse escolher uma ou duas pessoas para lerem o seu livro mais recente, quem seriam?
É difícil responder a esta pergunta, já que implicaria que essas pessoas também quisessem ler A Origem dos Dias, e teria receio de soar presunçoso. O meu primeiro leitor é sempre a minha mulher, e o seguinte, a minha editora. Para este livro, tive também o privilégio de contar, para a contracapa, com frases profundamente generosas de escritores que admiro muitíssimo, como o Hugo Gonçalves e a Susana Amaro Velho. O João Tordo, um dos escritores que mais me marcou como leitor, também teceu elogios públicos ao livro. Por isso, sinto-me já muito grato pelas pessoas que leram e elogiaram a obra, bem como pelos leitores que me abordam em eventos ou nas redes sociais. No entanto, brincando um pouco com a pergunta, escolheria, se fosse possível, Louis-Ferdinand Céline, na esperança de discutir com ele a personagem baseada no seu percurso como escritor indecoroso e rotulado de antissemita, ou Roberto Bolaño, pelo quanto “Detetives Selvagens” influenciou esta narrativa.

Como lida com o bloqueio criativo?
Para mim, a escrita é um ofício diário: todos os dias sento-me a trabalhar e escrevo. Há dias que correm melhor, e em que a escrita flui como um sabonete molhado; noutros, corre pior. Quando assim é, opto por rever o trabalho do dia anterior ou fazer pesquisa, responder a entrevistas – uma tarefa que exija menos criatividade. Em todo o caso, e como diria Pablo Picasso, se a inspiração aparecer, já me encontra a trabalhar. As ideias acabam sempre por surgir, nem que seja por acaso. E os acasos são ótimos.
Qual foi o melhor ou o pior conselho de escrita que já recebeu?
O melhor foi sem dúvida ler e escrever muito. É esse o caminho, é tão simples quanto isso. Ler os grandes autores e escrever para a gaveta, até se ter qualidade. Ter disciplina e não ter pressa. E viver. Viver para ter algo que contar. E compreender que um livro nunca está verdadeiramente acabado. Como o Hugo Gonçalves me disse certo dia, citando outro autor que agora não me recordo: «Se puderes, desiste». Como não pude, escrevi. Recebi conselhos muito sábios que levo sempre comigo. No meu primeiro romance, falo muito disto – do processo de escrita -, pois o protagonista, Henri Benoît, é um escritor bastante polémico e excêntrico, que, perante um vazio criativo, se vê na Sorbonne a dar aulas de literatura. É difícil lembrar-me de um mau conselho que tenha recebido.
Quem é a pessoa, ou qual é o lugar ou prática que teve o maior impacto na sua formação como escritor?
Os escritores que admiro tiveram sem dúvida muito impacto na minha formação como escritor. Houve livros que mudaram a minha maneira de ver a literatura e de entender o que era possível fazer com a escrita, como “A Insustentável Leveza do Ser”, “Detetives Selvagens” ou “Cem Anos de Solidão”. Contudo, algo muito importante na minha formação como escritor foi o tempo que estive fora de Portugal, quer a residir, como os vários anos em França e que marcaram A Origem dos Dias, quer as viagens. Foram momentos de riqueza cultural, introspeção, maravilhamento, descoberta de novos autores, factos, locais, muita pesquisa, que muito contribuíram para a narrativa dos meus livros e para a minha inspiração.
Há alguma parte da sua rotina de escrita que poderia surpreender os seus leitores?
Escrevo sempre muito cedo, pelas 6h30, com café e música, na casa ainda adormecida, e prolongando-me pela manhã, dependendo do dia. Por vezes, também escrevo a seguir ao almoço. No restante tempo, tento ler. Não sei se haverá algo de muito surpreendente nisto – cada escritor terá a sua rotina e aquilo que lhe funciona melhor.
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Miguel d’Alte nasceu em 1990, no Porto. Viveu na República Checa, França, Angola e Luxemburgo. Persegue as suas grandes paixões: a literatura e a escrita, mas também viajar, a história, o rock ‘n’ roll. Tem dois cães, Buk e Lolita. Estudou escrita de ficção. Elege como suas principais influências Charles Bukowski, Michel Houellebecq e João Tordo, e, no género thriller, Joël Dicker. Em setembro de 2022, publicou o seu primeiro romance, «O Lento Esquecimento de Ser», em outubro de 2023, o thriller «Os Crimes do Verão de 1985». «A origem dos Dias» é o seu terceiro livro. (via Wook)