REVISTA DE IMPRENSA LITERÁRIA publica hoje mais uma entrevista. Desta vez, Rodrigo Guedes de Carvalho. É a sétima de uma série dedicada a autores portugueses (todas as entrevistas podem ser lidas aqui).
Amanhã: Joana Bértholo.
Segunda-feira: Gonçalo Câmara.
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Se pudesse escolher uma ou duas pessoas para lerem o seu livro mais recente, quem seriam?
Seriam as habituais. A minha editora na D.Quixote e, passe o cliché, a minha mulher, mas por razões muito práticas de triagem. Ela vive angustiada pelo medo de que eu falhe, que o próximo livro não seja interessante, o que a leva a ler num estado de vigilância policial. Em suma, uma leitura em busca do que a minha autocomplacência possa ter deixado escapar.

Como lida com o bloqueio criativo?
Da mesma forma que lido com a preguiça, em certos dias, de fazer exercício físico. Obrigo-me. Sentado no posto de escrita ou em caminhadas de reflexão, faço por nunca pensar que sequei. É também importante não contar dias ou semanas de jejum criativo.
Qual foi o pior ou melhor conselho de escrita que já recebeu?
O pior terá sido “não ligues se tens história ou não, vai escrevendo que o livro resolve-se”. Não dá para mim. Claro que o livro terá surpresas para mim, mas necessito de estabelecer um porto aonde quero chegar. O melhor foi, sem dúvida, o que se aplica na ficção e no jornalismo: “escrever bem é cortar”.
Quem é a pessoa, ou qual o lugar que teve maior impacto na sua formação como escritor?
Sem dúvida o meu avô paterno, e a sua casa onde cresci. Quis ler porque o via a ler. E foi a ler, muito cedo, que senti o desejo de entrar naquele mundo de contar histórias e fazer viajar os outros apenas com palavras impressas.
Há alguma rotina que poderia surpreender os leitores?
As minhas rotinas são maçadoras, pouco poéticas, distantes do retrato fascinante que fazemos dos imaginativos escritores. Mas num romance, ainda que aspiremos à estética da arquitectura, há uma enorme dosagem de engenharia bruta para erguer o edifício. Talvez revelar que tenho fotografias das personagens. Mas como, se elas não existem? Porque quando começo a desenhá-las na cabeça ando pela internet, de forma aleatória, a tentar tropeçar em certos rostos. Quando sinto que encontrei, imprimo e coloco na parede em frente. Posso não fazer uma única descrição física de fulano ou sicrana, mas eu sei como é. Ajuda-me ter esses rostos, da mesma forma que gosto de lhes dar nomes fortes.
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Rodrigo Guedes de Carvalho nasceu em 1963, no Porto.
Estreou-se na ficção com o romance Daqui a Nada (1992), vencedor do Prémio Jovens Talentos da ONU. Seguiram-se-lhe A Casa Quieta (2005), Mulher em Branco (2006), Canário (2007), O Pianista de Hotel (2017) – Prémio Autores SPA Melhor Livro de Ficção Narrativa 2018 –, Jogos de Raiva (2018), Margarida Espantada (2020), Cuidado com o Cão (2022) e As Cinco Mães de Serafim (2023) – semifinalista do Prémio Oceanos 2024.
Elogiado pela crítica, foi considerado uma das vozes mais importantes da nova literatura portuguesa. É autor dos argumentos cinematográficos de Coisa Ruim (Filme de Abertura do Fantasporto 2006) e Entre os Dedos (2009), e também da peça de teatro Os Pés no Arame (2002).
Matarás Um Culpado e Dois Inocentes é o seu décimo romance. (via Wook)
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