Marta Pais Oliveira em entrevista à RIL: “Sou grande entusiasta do acaso nos processos criativos. Uso-os, a esses fragmentos, como trampolins para gerar caminhos”

REVISTA DE IMPRENSA LITERÁRIA publica hoje a segunda entrevista de uma série dedicada a autores portugueses. Depois de Paulo Moreiras, agora é a vez de Marta Pais Oliveira. A escritora tem um novo livro: A Última Lição de José Gil (Contraponto) aparecerá nas livrarias durante o mês de Julho.

Amanhã: Nuno Duarte.

Se pudesse escolher uma ou duas pessoas para lerem o seu livro mais recente, quem seriam?

O meu livro mais recente é de não-ficção e sairá muito em breve. Tece várias perguntas sobre os tempos que vivemos, com ameaças crescentes de opressão. Por isso, escolheria duas pessoas com poder e responsabilidade política na condução do nosso desígnio coletivo, que se quer livre e digno. E o Nelson Ferreira da Silva, esse grande leitor e divulgador do livro e da leitura. 

Como lida com o bloqueio criativo? 

Elimino essa combinação de duas palavras da minha mentalidade, não lhe dou espaço. Tenho sempre múltiplos textos nos quais estou a trabalhar. Se algum começa a perder energia, vou para outro. Vou pelos textos que me estão a chamar mais alto, em que vejo possibilidades de beleza, e até agora tem sempre havido algum saltitante e irrequieto. Num processo de longo fôlego como um romance, tenho técnicas alucinadas para me fazer avançar. Se algum trecho se ata, vou ao meu baú de fragmentos (seria romântico ser um baú, é uma página de notas no telemóvel) e pego em dois ou três ao acaso. Sou grande entusiasta do acaso nos processos criativos. Uso-os, a esses fragmentos, como trampolins para gerar caminhos – seja pelas imagens, ideias ou música que convocam. 

Qual foi o melhor ou o pior conselho de escrita que já recebeu?

O melhor: escreve. É tão absurdamente primário como isto. O pior é da ordem da ergonomia: senta-te numa bola de pilates a escrever. O conselho é bom, eu é que ainda não tenho uma superfície à altura da bola de pilates onde pousar o computador e tentei, porque sou otimista, demasiados exercícios desastrados com o computador nas pernas. Não recomendo.

Quem é a pessoa, ou qual é o lugar ou prática que teve o maior impacto na sua formação como escritor?

Comecei a escrever contos a partir das histórias da aldeia e da lavoura contadas pelo meu avô paterno. Esse imaginário tem, em mim, muita força. O escritor Luís Carmelo foi muito importante num tempo em que ainda não sabia como fazer um livro, devo-lhe a força que me deu para terminar o primeiro romance, Escavadoras. Os meus filhos: comecei a intensificar muito o tempo de escrita na minha primeira gravidez. A maternidade muda radicalmente a minha relação com o tempo, dá-me a absoluta necessidade de perseguir o que me apaixona. Viver em Moçambique deu-me abertura de língua, deu corpo à fluidez e a um sentido de jogo que procuro na palavra. A prática de alimentar um blogue com pequenos contos diários, quando a ideia de publicar o que quer que fosse ainda não estava no meu radar, foi importante na criação de disciplina. Ainda regresso a esse blogue.

Há alguma parte da sua rotina de escrita que poderia surpreender os seus leitores? 

Faço, antes de começar a escrever, treze abdominais. Não é verdade. A resposta honesta seria: qual rotina de escrita? São muitos os malabarismos para conseguir tempo diário a escrever sem demasiadas interrupções. Uma curiosidade é que, na gestação de um texto, posso ouvir repetida e obsessivamente a mesma música. É como uma textura meditativa que abre outro estado de consciência e me leva para um certo ritmo ou atmosfera a que estou a tentar dar forma.

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Marta Pais Oliveira (Porto, 1990) é autora dos romances Escavadoras (Prémio Literário Revelação Agustina Bessa-Luís) e Faina. Publicou os contos O Homem na RotundaQuando Virmos o Mar e Medula (Prémio Nortear). Tenho os Olhos a Florir marca a entrada na literatura infantojuvenil. Recebeu o Prémio Literário Maria Amália Vaz de Carvalho com o inédito Como Caminhar num Pântano. Escreveu os libretos das óperas Maria Magola, Madrugada: As razões de um movimentoBelo é o Destino Desconhecido e o teatro musical O Guarda-Rios Mágico. Acredita no poder e na liberdade da palavra. (via Wook)

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