Arrancou ontem a 26.a edição do Correntes d´Escritas, na Póvoa de Varzim. A conferência de abertura esteve a cargo de Helder Macedo.

O poeta, romancista, ensaísta, crítico e investigador português abraçou um tema que lhe é tão familiar: “Luís de Camões: conhecer não ter conhecimento”, celebrando a “perspetiva moderna, do nosso tempo, de um tempo que ainda venha a ser nosso” da obra épica de Camões.
Da poesia lírica para a poesia épica, “os contrários coexistem” nas suas publicações, sendo os poemas camonianos “construídos sobre aparentes contradições (armas e letras, Vénus e Baco, a viagem factual e a utópica ilha do amor)” e “oposições complementares”.
Numa conversa que visou “estabelecer uma sequência plausível da sua obra lírica com o que, de alguma forma, se sabe da vida de Camões”, Helder Macedo sublinhou que os Lusíadas, apesar de terem sido “compostos ao longo de muitos anos, em parcelas posteriormente coordenadas, e não necessariamente na sequência que conhecemos”, permitem vislumbrar uma “gradual transição da alegria juvenil para a dúvida e, posteriormente, da dúvida para o desespero”.
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A primeira de 11 mesas de debate aconteceu também ontem e contou com a participação de Álvaro Laborinho Lúcio, António Mota, Germano Almeida, Joana Bértholo e Patrícia Melo, com moderação de José Carlos de Vasconcelos.

O quadro “A Origem do Mundo”, de Gustave Courbet, deu o mote para as intervenções.

Com “intenção de falar de Literatura e discorrer sobre o fim do mundo que muitos assustados anteveem”, Álvaro Laborinho Lúcio “socorreu-se” de Anton Tchekhov e sua peça de teatro “Malefícios do Tabaco” para abordar esta “polémica pintura” e “expressão pictórica, para muitos, do pecado original”. Para o escritor, jurista e professor universitário, se “a pintura é coisa do princípio do mundo”, a Literatura analisa o “fim do mundo, que apesar de longe de ser uma realidade nova, está agora cada vez mais próximo”.

Confessando ter demorado muito tempo até arranjar inspiração para o tema escolhido para esta conversa, António Mota tirou “do bolso da memória retratos bastante velhos e desbotados”, partilhando com o auditório lembranças felizes da sua infância, onde o mundo parecia “principiar e terminar nos limites da povoação de Vilarelho”.

Na sua intervenção, Germano Almeida recordou o livro A Montanha Mágica, de Thomas Mann, para explicar que, apesar de “considerado por muitos como escabroso, inconveniente e até lascivo”, este quadro “é, sobretudo, uma homenagem à mulher, capaz de produzir gente e vida”. Para o escritor cabo-verdiano, Gustave Courbet era um “pintor de um realismo seco, severo e combativo”, que defendia a vida “como verdadeiro fim da arte”.

“Desafiada a arriscar” com o tema, Joana Bértholo agarrou o público presente no Cine-Teatro Garrett com um exercício sobre a água, chamado “Big Splash”. Descrevendo um “manto de água voraz e inclemente” até à última gota de uma “sede que nunca acalma”, a escritora e dramaturga reagiu, assim, “à mania que o mundo começa em nós”.

Coube a Patrícia Melo encerrar o debate da primeira mesa deste “festival tão charmoso”. A escritora brasileira considera que “a Literatura não se limita ao que somos, abre espaço para mistério, dúvidas e é um ato de investigação que permite reinventar o passado”. Fazendo um paralelismo com a ciência, Patrícia Melo entende que “uma teoria científica, antes de ser validada, é apenas um mundo imaginado”, assim como “a Literatura é uma fábrica de mundos, que amplia e questiona a realidade e desafia os limites do que conhecemos e podemos conceber”.
Fonte: comunicado de imprensa da CM da Póvoa de Varzim. Todas as fotografias: CM Póvoa de Varzim.